sexta-feira, 6 de maio de 2011

Crónica Semanal #26


Por às sexta-feira, maio 06, 2011


Judas, o nome de proporções bíblicas que nos transporta rapidamente para um cenário arcaico, confuso e de traição, que se arrastou durante séculos nas mentes dos crentes ou, simplesmente, dos estudiosos da matéria. Mas esqueçam rapidamente a melancolia associada ao monte Sinai e lembrem-se que a partir do momento em que Lady Gaga prometeu oferecer ao mundo a sua leitura histórica desta malograda parte bíblica as nossas mentes jamais voltariam ao estado prévio. Judas, o vídeo, saiu ontem durante a tarde, de modo abrupto, qual traição…Coincidência? Não creio, “acaso” é palavra que não entra no dicionário do universo desta artista, demasiado racional e analítica para descurar pormenores de importância extrema.

O vídeo tem início com uma recriação bem actual daquele que poderia ser um novo messias da nossa era, montado numa poderosa moto, enquanto seguido atentamente pelo seu grupo de marginalizados pela sociedade, detentores de um conceito de vida destinado a chocar com o estabelecido pela sociedade convencional. Jesus surge aqui acompanhado de modo cúmplice (romanticamente, creio) por Maria Madalena, símbolo bíblico associado ao pecado e, tardiamente à redenção. Se o início do vídeo se apresenta em tons monocromáticos e mesmo tristes, a verdade é que a figura de Madalena parece apresentar o contraste, a vida, a luz, o calor e a esperança, seguida de perto com o olhar por Judas, aqui magnificamente representado pelo actor Norman Reedus, com o seu semblante rebelde e furtivo. Judas, não esquecendo, é o grande protagonista da música e rapidamente surge uma nova e inesperada leitura da bíblia, que demonstra uma dicotomia entre amor espiritual, bem visível entre Jesus e Madalena e amor carnal ou sensual, sempre à espreita na figura de Judas que de modo obsessivo parece perseguir Maria Madalena, apesar de esta não se mostrar receptiva .A virtude, assente na figura de Madalena, surge sempre com um carácter mediador entre vício (Judas) e virtude (Jesus), tendendo a optar pela virtude, muito embora com a sombra do vício a pairar incessantemente sobre si, tentando-a. A luta entre estes 2 conceitos surge magnificamente representada ao minuto 3.30, quando a luta interior se instala e Madalena parece incapaz de expulsar o vício da sua essência, seguindo-se uma genial sucessão de contraste, de uma beleza estética avassaladora, assente na presença do elemento pureza (água) em contraste com o elemento vício (fogo, cores quentes), que levam à inevitável traição de Judas, não por 30 moedas de prata, mas por uma mulher! Esta leitura, embora biblicamente inaceitável, é humanamente plausível e absolutamente credível, inserindo o elemento triângulo amoroso como algo de bem mais compreensível e humanizando a bíblia, afirmando que (ao contrário do sucedido segundo a bíblia) as opções de Madalena, bem como a sua aparente cobardia e incapacidade de colocar de parte o seu passado levam-na a um inevitável apedrejamento, sem o Jesus que ajudou a trair para a salvar.

Muito mais que um videoclip, Judas é uma obra de arte, não apenas do ponto de vista estético, mas acima de tudo do ponto de vista teológico, demonstrando uma vez mais a sensibilidade da artista face à sua tenra idade, fazendo-nos questionar de modo ansioso do que será capaz daqui a décadas!
Poison TV